domingo, 25 de março de 2007


Bons Sonhos

O garoto tinha apenas oito anos quando assistiu a morte de seu pai e em seguida foi levado junto com sua mãe para um campo de concentração, havia uma grande guerra, mas ele nunca soube exatamente o que aquilo significou. Assim que chegou foi arrancado a forças dos braços de sua mãe, neste momento seu subconsciênte lembrou-se do dia de seu próprio parto e da cara de uma velha parteira cortando o cordão umbilical com delicadeza, mas os soldados não foram nada delicados e tudo que o garoto pode sentir foi uma imensa dor ao som dos gritos desesperados de sua mãe.
Obrigado a trabalhar feito gente grande e totalmente deslocado o garoto ficou muito triste, vivia chorando e com medo. Começou a ter sonhos ruins envolvendo os gritos de dor de seu pai, depois pesadelos horríveis em que sua mãe gritava pelo seu nome, mas ele não encontrava a origem dos gritos até que finalmente o garoto não sonhou mais.
Pior do que a morte de seu pai e o desaparecimento de sua mãe foi a morte de seus sonhos, agora ele não era mais um garotinho de oito anos, em apenas uma semana se passaram vinte, talvez trinta anos e ele não tinha mais medo, nem esperanças e nem saudades de sua mãe, agia como uma máquina, mais apático que um zumbi.
Certa noite, antes de dormir, percebeu que um velho homem o observava:
-Bons sonhos - disse o velho sorrindo para o garoto que permaneceu sério.
-Sabe moleque, esta noite sonhei com sua mãe, mas senti que este sonho era seu, você o rejeitou, foi um sonho muito lindo, espero que sonhe ele.
- Mamãe está morta! - disse o menino pela primeira vez desde que entrou naquele lugar bizarro.
- Parecia bem viva no sonho, mas triste, ela tem saudades e chora a morte de sua alma.
- Eu não quero mais saber, não quero chorar! - retrucou o menino emburrando.
- Eles levaram sua mãe, te prederam aqui e você não pode fazer nada, não é mesmo? - e ao dizer isso o velho sorriu novamente com seus dentes podres, o menino apenas acenou positivamente com a cabeça - Porém, meu jovem, apesar de não ter escolhas quanto a estar aqui ou quanto morte de seu pai ou a ser arrancado dos braços de sua mãe, deixar eles levarem seus sonhos foi uma escolha sua.
- Um homem pode te tirar tudo, até mesmo sua vida, mas nenhum homem pode te tirar um sonho a não ser que esse homem seja você mesmo!
O velho se assemelhava muito a um cigano que o menino viu pelas ruas, ou sonhou que viu, e após ouvir suas palavras ele chorou e depois dormiu. Naquela noite sonhou com sua casa, com seu pai cortando lenha, com o sabor do pão que sua mãe fazia, com as histórias de ninar que sua mãe contava-lhe e sonhou também com fadas e outros seres encantados que apenas as crianças sonham, depois sua mãe se despediu e disse que o esperaria, que ele não precisava ter medo, pois sua alma era sua novamente e de mais ninguém. Ela disse também que em breve eles iriam se encontrar.
No dia seguinte ele, outras crianças e velhos foram chamados para o banho semanal, o cigano estava junto e eles deram as mãos, entraram em uma sala e ouviu-se um barulho que lembrou a língua da cobra que o menino e seu pai encontraram na lenha do fogão certa vez, mas o barulho era constante, em poucos instantes a sala estava se enchendo de fumaça, alguns não entendiam, outros se desesperavam, o cigano apenas olhou para o menino, eles sorriram e o velho disse:
- Bons sonhos!

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